O vendedor alegou dor nas costas, entregou atestado à empresa – e foi à praia. Parecia uma mentira inocente, mas ele acabou demitido. Já o bancário estava em licença médica, mas foi flagrado trabalhando como tatuador – e também ficou sem o emprego.
Os dois também ficaram sem direito à multa e ao saque do FGTS, ao seguro-desemprego e a outras verbas, já que as demissões foram por justa causa (leia mais detalhes sobre as decisões trabalhistas abaixo).
Mentir para o empregador, como nesses casos, pode custar o emprego e a maior parte dos direitos na demissão.
Outras mentiras também podem ter o mesmo resultado: segundo advogados trabalhistas, normalmente, as 'inverdades' que levam à justa causa estão relacionadas a alegações falsas de doenças, informações enganosas para conseguir o emprego ou benefícios e até mortes inventadas de parentes para 'matar' o trabalho.
Jogando a favor das empresas, no entanto, estão as redes sociais: com a maior exposição da privacidade, as mentiras ficaram mais fáceis de serem descobertas (especialmente quando o próprio funcionário posta a foto daquela festa onde ele foi depois de faltar alegando dor de cabeça).
As demissões por justa causa por causa de mentiras geralmente se dão por ato de improbidade, mau procedimento ou desídia, ou seja, situações que envolvem fraude, desonestidade, quebra da confiança e negligência. Os empregadores, no entanto, precisam reunir o máximo de provas possível para embasar a decisão e não perder possíveis contestações na Justiça.
Mas, dependendo da situação, o empregador pode demitir o funcionário sem ser necessariamente por justa causa.
"O contrato de trabalho é baseado na confiança mútua. Quando o empregado mente, quebrando essa confiança, impedindo a continuidade do contrato, está configurado o ato de improbidade (desonestidade e deslealdade) que autoriza a dispensa por justa causa. Não é qualquer mentira ou ato faltoso que geram justa causa. Tem que ser algo grave, que abale a confiança e impeça a continuidade da prestação de serviços”, ressalta Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados.
No quadro abaixo há 13 situações que envolvem mentiras no ambiente de trabalho e as possíveis punições que os trabalhadores podem sofrer, de acordo com a opinião de três advogados trabalhistas. Não há consenso entre os três em várias situações, e a decisão final vai depender do entendimento da Justiça do Trabalho.
De acordo com Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor e mestre em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP, o empregado que apresenta atestado falso comete crime, inclusive. Já o motorista que não pode exercer sua função e mente dizendo que está em dia com sua habilitação igualmente pode sofrer a aplicação da justa causa.
“O empregado que mente quanto ao meio de transporte para receber o vale sem que o utilize e vai de moto para o trabalho, por exemplo, realiza claramente a quebra da confiança, pois, além da mentira, pode sofrer acidente e criar outros embaraços para a empresa”, afirma.
Segundo os advogados trabalhistas, a punição deve ter caráter disciplinar, começando com advertência, suspensão até chegar à demissão por justa causa. Mas, caso a conduta seja considerada grave, pode ser aplicada a justa causa de maneira direta, sem passar pelas demais punições.
“A demissão por justa causa ocorre quando existe gravidade ou condutas reiteradas. Não existe uma obrigação de aplicar a advertência, depois suspensão para depois a justa causa, quando a conduta decorre de violência, ato criminal, quebra de confiança, má conduta ou abandono de emprego”, afirma Lariane Del Vecchio, advogada do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
“O ato do empregado pode ser grave, como alterar um atestado médico, impedindo a continuidade da prestação de serviços. Mas o empregador deve analisar cada caso com bom senso para decidir se o término do contrato se dará por justa causa nos termos do artigo 482 da CLT”, ressalta Pragmácio Filho.
De acordo com o advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, o patrão que descobre as mentiras por meio de outros funcionários, redes sociais ou até por meio de programas de controle nos computadores pode se valer disso para demitir o funcionário.
“Para ser justa causa é preciso haver fundamentos e provas das alegações que justifiquem a modalidade de demissão. Caso não tenha esse fundamento, pode demitir sem justa causa”, diz.
Lariane Del Vecchio destaca que o empregador deve colecionar as provas para que não seja revertida a demissão.
“A demissão por justa causa é um tema delicado, é a punição máxima, por isso, é preciso analisar cada caso de forma individual, e o empregador deve colecionar provas do ato faltoso grave sob pena de a demissão ser revertida na Justiça do Trabalho”, afirma.
Para Guimarães, as empresas devem avaliar o fato de forma concreta e verificar se há uma quebra efetiva na confiança, com a certeza de que conseguirá ter a prova do fato em eventual ação trabalhista do empregado para reverter a justa causa.
“O simples 'ouvir dizer' que o fato ocorreu, em regra, não é prova suficiente para a dispensa por justa causa", destaca.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) confirmou a demissão por justa causa em duas decisões recentes relacionadas a trabalhadores que mentiram para seus empregadores.
Um vendedor que se afastou do trabalho por dor nas costas, mas que postou fotos na praia no dia em que deveria estar de repouso, teve a justa causa mantida. Ele obteve licença médica e foi ao litoral comemorar os 15 anos de casados com a esposa.
Para a 5ª Turma do TRT-2, a conduta do empregado foi grave o suficiente para quebrar a confiança da empresa no empregado. Por isso, os desembargadores mantiveram na íntegra a decisão de 1º grau.
No processo, o homem pedia a reversão da justa causa por improbidade e alegava perseguição. No entanto, ele não contestou as imagens do Facebook que mostravam dança e atividades incompatíveis com a recomendação médica. Além disso, uma testemunha do trabalhador e outra da empresa confirmaram os fatos.
Outro caso se refere a uma decisão da 1ª Turma do TRT-2, que manteve a justa causa de um bancário que atuou em um estúdio de tatuagem durante período de afastamento por licença médica. Para os magistrados, as atividades particulares são incompatíveis com o alegado estado debilitado de saúde por problemas psicológicos.
A situação foi descoberta porque, enquanto aguardava a recuperação do empregado para o retorno ao serviço, a empresa recebeu denúncia anônima informando que o trabalhador estava se dedicando a outro trabalho remunerado.
Uma investigação confirmou a informação, inclusive por meio de postagens no Instagram exibindo a atividade de tatuador com finalidade comercial. Com base em parecer de que o trabalho do empregado como tatuador seria conflitante com a licença concedida, a empresa o demitiu por justa causa.
O profissional alegou que já era tatuador antes de trabalhar como bancário e que seu psicólogo recomendou esse trabalho por causa da depressão. Por isso, se tratava mais de um hobby do que de atividade extra.
No entanto, para a Justiça, o fato de o trabalho com tatuagem ser conhecido na empresa não é suficiente para “afastar o ato ímprobo de se dedicar a isso, em estabelecimento próprio e que, de ordinário, rende ganhos, quando suspenso o contrato de trabalho em razão de licença médica”.
E decidiu ainda que não há respaldo médico para o fato de a atividade de tatuagem contribuir para a melhora do quadro de depressão.
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Atualizado em: 22/11/2024 18:59 |
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